terça-feira, 31 de maio de 2011

A pausa

Encontro-me em estado de pausa. Parei para ver o mundo mudar, passar na minha frente talvez. Parei para pensar, mesmo sob a ameaça de que terei de correr um pouco mais quando resolver pegar o tempo andando.

Mas até a pouco quando ainda seguia a marcha do tempo, treinei muito para conquistar a liberdade de correr um pouco mais que outros. Assim, poderei alcançar a moda, a estação, as datas, bastando apenas um pequeno esforço.

Pois quem para com intuio de se por "de fora" do ritmo que leva o mundo, acaba  percebendo melhor como a causa vai se desdobrando na consequência, com a precisão intuitiva de um  vidente.

Daqui da pausa, sentado no meio do caminho, praça metafísica, observo o movimento programado desse sistema louco chamado cidade. Nela, todos os sinais estão verdes para mim, e eu existo porque posso parar quando quiser.

Haroldo Lourenço

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Meu time jogou ontem...

O time jogou. Meu coração foi junto. Verdade seja dita: foram também meu fígado e rins. Jogou como se deve jogar.

Levou meu cérebro com ele, apesar de deixá-lo meio tonto e não conseguir mais saber quem mandava: se ele, ou uma partizinha de mim, o apêndice, que de aposto não tem nada... Deixa saber que ele existe procê ver...

Meu time jogou. Com os pés, as mãos, com a cabeça. Ah, a cabeça... Acabei de falar da parte de dentro dela agorinha, olha lá em cima... Mas a parte de fora, vermeinha, vermeinha. Raiva, alegria, chutes e socos, tudo de bruncadeirinha, não se assuste.

Esse meu time jogou! Circulou o sangue e a bola. Fez músculos distenderem, e pernas se debaterem. E eu, já com meus bíceps femurais completamente estenuados, também chutei muitas bolas, mas ao vento.

E por falar nisso tudo, como ficaram as línguas depois do acontecido? Havia línguas falantes e de falas decisivas antes. Durante também. Ora, quantas e quantas vezes todo o sistema motor-oral teve de se posicionar pra... Gritar! Viva todo esse sistema. Depois do jogo metade das línguas era usada. A outra metade... Bem, a outra metade ganhara um cala-bocas. Línguas se contorceram neste processo...

Mas é isso aí, vai começar mais um campeonato, já pensou quantas vezes tudo isso que temos por dentro vai movimetar o que temos por fora e a gente vai tentar, de novo, termos mais utilizações que os outros?

Sempre vai ser assim. O passado fica pro hipocampo processar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

SOBRE UM TEXTO CONFIDENCIADO PELO HOMEM DE LATA DO MÁGICO DE OZ - Haroldo

NO TRÂNSITO, NO TRABALHO, EM QUALQUER LUGAR: FAÇA CORAÇÃOZINHO
Faça um coração com as mãos. Está na moda.No lugar de um gesto obsceno, arisque um coraçãozinho para aquele oportunista que avançou o sinal e quase bateu em seu carro no cruzamento. 
 
Bem aventurados os que fazem coraçãozinho. Não um daqueles de galinha, pequenos. Um daqueles tetracavitários, sem gordura nas coronárias, batendo feito o de um triatleta e sensível como o de um violinista.  
 
Não se critique pensando que pode colocar em xeque a reputação de pessoa durona. Os brutos também fazem coraçãozinho. Caso falte inspiração ou jeito para fazer o primeiro, imite o coraçãozinho das fãs em show de rock moderno.
 
Elas fazem coraçãozinho como se os caras da banda estivessem naquele instante prontos para receber o transplante de milhares de carinhosas mímicas. 
 
Faça um coraçãozinho para quem entra na sua frente em qualquer fila: coraçãozinho para você pessoa safafinha cheia de jeitinho! 
 
É assim: na frente daquilo que desrespeita a sua dignidade, que vaia o seu caráter com inexcrupulosa falta de bom senso, você levanta as mãos, de tal maneira que uma seja a imagem especular da outra. Posiciona os dedos de cada mão, de tal maneira que se pareçam com uma serpente de boca bem aberta, como se estivesse fazendo aqueles teatros de sombra com mãos. Assim posicionadas, simultaneamente, uma mão ao encontro da outra, até que se toquem, dedão com dedão, dedinho com dedinho, médio com médio, fura bolo e indicador. No meio, o vazado deverá ajustar-se até ficar com um desenho cordiforme. Se quiser, exagere na redundância, no pleonasmo visual, faça o coraçãozinho pertinho do coração. 
 
Pode confiar, o negócio é eficiente, mas não pela força de sua significação, mas sim pelo poder de troça escondido sob a  inocente e cândido gesto. Diante da impossibilidade do soco, da reação armada, da iminência de conflito, o coraçãozinho é uma irônica bandeira branca, flor enfiada dentro do canhão. Faça coraçãozinho com amor, não faça guerra! Você já fez um coraçãozinho hoje? 
 
Sempre há uma  deixa para a indignação manifestar-se com este amoroso gestual, e aquele sorriso na cara, resmungando de boca travada um palavrão discreto e quase a se confundir com um ciciado poema de amor.

Haroldo Lourenço

Minha casa e meus sonhos

 Hoje olhei pras paredes de minha casa. Pensei na melhora, gostei do que fiz. Fiz da parede meu retrato e da lembrança minha busca. Sorri ao...