domingo, 26 de abril de 2020

O que há em nosso coração?

Pegar uma gripe já não é mais corriqueiro. Torna-se a concretização do medo, a ante-sala da crise da vida, frente a um fim, pensado, mas nunca vivido.

A solidez de sentimentos difusos nos perpassa, tira o ar, tem medo da falta de ar, que pode vir, real. É fundo e dinâmico o processo, viver a vida, temer e afastar-se das causas da morte e dela mesma.

Tudo vivido em dias, horas, segundos de pesar, de coragem, recuos, mas especialmente de agradecimentos, de desejos de horas a mais vividas com alguém, com desejos de palavras ditas, da doçura do contato.

Enquanto as manobras nos carros iam a mesmo, passando todos, resmungos aqui e acolá, xingamentos e desejos de má sorte ao motorista ao lado, não havia mais que questões fugidias e passageiras a tomar mais da temperatura nosso corpo. Em condições normais desta temperatura e pressão, íamos como se não houvesse amanhã.

Mas há. E como há.

Há amanhãs tão desejadas e queridas, há encontros tão necessários e quistos, que parecemos deslocar de dentro de nossos necessários isolamentos pra tão profundo de nós mesmos, que viajamos em aventuras de abraços e apertos de mão, mesmo que sabendo que são criações vindas de dentro dos ossos de nossas cabeças.

Cada coração vê e agradece ao enfermeiro, ao agricultor, ao operário, ao médico, à pessoa da limpeza, ao lixeiro, às mulheres e homens, que dentro da criação humana da civilização, foi incumbido de nos prover comida, cuidado, alento.

Nosso coração pulsa, deseja, age, experimenta e reflete e, ao fim, mesmo sem o final, ainda teme, mas quer, antes do fim, falar do amor que sente por todos.

Ele me disse pra dizer a vocês todos, aqui, agora, neste pequeno planeta, neste pequeno sistema solar, em nossa galáxia, onde calhou de nos encontrarmos, juntos, que ele, como eu, amo todos vocês.

Uma hora tudo isso vai passar. E haverá bilhões de corações que se encontrarão.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Ponto de Ônibus

Há muitos anos atrás, eu levava mãe à rodoviária. Eram sacolas pesadas e íamos de ônibus. Ela sempre viajava pegando o ônibus de 23:45 pra Bocaiúva. Sempre ia com um pouco de medo, mas também orgulho por poder ajudá-la.

Descia as escadas da rodoviária de BH e ela ia pro ônibus. Sua energia sempre era muito alta nesses momentos. Ela entrava e eu sempre ansioso por vê-la pela janela, pelo último tchau, até a volta, Deus te abençoe, que ela mandava.

Saía dali e já ia com medo pegar no antigo 1202 na Curitiba com Guaicurus. Às vezes, o ônibus passava só lá pelas 2:30. Passavam muitas coisas pela minha cabeça, no ponto, sozinho, com uma ou outra pessoa junto, mas que pegavam, cada qual, sua própria linha.

Não tenho muita lembrança desse retorno pra minha casa, só da satisfação de ver que meu ônibus chegara e que não precisava mais ficar ali, com medo de roubo, violência, etc.

Acho que todos nós lá em casa passávamos por isso, em alguma medida. Minha mãe, já professora aposentada ia sacolar no interior, pra pagar o clube Jaraguá, o cursinho meu e de meus irmãos, as contas, os passeios, pra dar as roupas e colocar a comida em nossas latas.

Acho que tive a oportunidade de dizê-la - e o fiz enquanto pude - que eu tinha tanto orgulho de sua garra, de sua força e alegria internas. Quando ela voltava e chegava naqueles ônibus, seu sorriso enchia minha vida de tal maneira, que passei muitos anos buscando a energia só pra mim, até crescer e ver que havia pra todos.

Tive muitos anos de depressão e falta de força, mesmo enquanto ela ainda podia ser vista por aí indo e vindo. Hoje, muitas vezes ainda parado naquele ponto de ônibus, de madrugada, sinto a força de um menino que pôde ajudar um pouco um dos amores de minha vida. Este que sou hoje se orgulha de ser quem é, conquanto ainda busque tanto por aí. Obrigado mão por me dar sacolas pra carrregar e irrigar minha vida de amor e cuidado.

Minha casa e meus sonhos

 Hoje olhei pras paredes de minha casa. Pensei na melhora, gostei do que fiz. Fiz da parede meu retrato e da lembrança minha busca. Sorri ao...